terça-feira, 15 de novembro de 2016

VÁ TOMAR UM BANHO!


Não sei se acredito nisso porque nasci na Bahia, cidade quente e úmida, onde precisamos tomar uns 3 banhos por dia para nos sentirmos confortáveis;  ou se porque minha mãe é amazonense com forte influência indígena, mas o fato é que "tomar um banho", ou uma "chuveirada", tem um efeito medicinal e psicológico comprovado na minha vida. 

Cresci ouvindo, "vá tomar um banho" como recomendação para qualquer coisa. Vou explicar melhor.... Se o seu mal fosse uma dor de cabeça, por exemplo, na minha casa você receberia a recomendação de um banho frio. Dor de barriga, azia, febre, cansaço em geral.... um bom banho. 

Aprendi desde cedo que os banhos poderiam variar entre quente e frio, a depender do que você pretende curar, e podem ser rápidos ou demorados ... os rápidos são chamados de chuveiradas. As chuveiradas não exigem o uso do sabonete, servem apenas para jogar água no corpo, e eu acredito piamente que elas levariam embora o mal que nos afligem. Acredito realmente que as chuveiradas são calmantes, curadoras e relaxantes. 

Os poderes dos banhos alcançam níveis sutis em seus efeitos, eles são terapêuticos para a alma também. Crianças nervosas ou agitadas demais, falta de um bom banho. Crianças com dificuldade para dormir, ou resistindo ao sono : banho. Se você estivesse com raiva, triste, ansioso ou mau humorado : Banho! Criei meus filhos com muitos banhos. Ao acordar, banho. Muito agitado ou chegou na escola cansado, banho. Antes de dormir, banho. 

Meu marido ri das minhas recomendações de banho para tudo, eu replico dizendo que ele é europeu, e que europeus descobriram o banho quando descobriram o Brasil, e que se assustaram quando viram os índios molhados o tempo inteiro. Na crença dos europeus naquela época, os banhos poderiam fazer mal a saúde. Quem nasceu em país tropical sabe que sem eles, morreríamos. 


Gosto da água. Gosto de mergulhar, gosto de nadar, gosto de piscina e de mar. Não gosto muito de praia, ficar no calor, no sol ...isso não é muito minha cara, mas ficar na água, é. 

Sinto uma paz enorme quando estou nadando ou mergulhando. Gosto do som da minha respiração quando estou nadando ou mergulhando .... adoro o silêncio que encontramos dentro d'água ... gosto de fazer rituais pessoais na água ... de entrega, de limpeza, de renovação, de purificação .... 

O mergulho tem o poder de me levar a um estado meditativo. Encontro um estado de mente muito tranquilo e silencioso quando mergulho. Encontro o que mais se aproxima de um esvaziamento mental, quando mergulho. Mergulhar/nadar  e meditar são quase que sinônimos para mim.  Quem assistiu o filme "Imensidão azul" sabe sobre o que estou falando. A vontade é de mergulhar, mergulhar e  mergulhar  ....


então, se eu puder te dar um conselho ....

Tome um banho! 


quinta-feira, 20 de outubro de 2016

DESPEDINDO DA ARÁBIA SAUDITA


Chegou o dia de ir embora. Depois de 2,5 anos morando na Arábia Saudita, estou indo embora. O plano sempre foi esse, sabíamos que ficaríamos de 2 a 3 anos aqui. Essa é a etapa final de um projeto que meu marido trabalha e que nos fez mudar para Houston nos EUA, e para Seul na Coréia. Tudo como planejado. 

Levarei algum tempo para assimilar as experiências que vivi nesse país tão estranho e fechado. Cada vez que tento pensar no que levo de bom dessa experiência, penso nas incontáveis viagens que fiz nesse tempo. Penso na Rússia, na Hungria, Suíça, França, Espanha, Bélgica, República Tcheca, Itália, Alemanha, Áustria, Holanda, Turquia, Egito, Emirados .... morar na Arábia significou estar bem pertinho da Europa....viajar para passar um final de semana em Munich bebendo aquela cerveja maravilhosa... reconheço que o aeroporto foi um lugar de grandes alegrias... 

Outra experiência indescritível e que me proporcionou prazeres quase que orgásticos, foi atravessar a ponte que liga o Reino dos Sauditas, ao Reino do Bahrain. Aquela ponte me fazia um bem enorme.... no meio dela eu já suspirava e sentia uma alegria imensa inundar minha alma.... O Bahrain onde se vende a cerveja mais cara do mundo, foi um paraíso para mim. Tirar as roupas pretas, beber uma cerveja ou vinho, rir alto sem medo de ser presa...ai...vocês não podem imaginar o que isso significa...ninguém pode, a não ser quem viveu aqui.

Cada vez que tento pensar nas coisas boas que vivi aqui, lembro que nesse período, meu filho caçula se formou, me fazendo experimentar a maior felicidade do mundo, ver o último filho formado! Lembro dos inúmeros Círculo das Deusas que realizei aqui! Os Grupos de Bioenergética! Trabalhei aqui! Dei minha primeira aula em Inglês. Realização absurda! 

As pessoas me perguntam se sentirei saudade de algo. Não, não sentirei. Coisas? Não. Claro que sentirei saudade de muitas pessoas ... Algumas pessoas tocaram minha alma profundamente (de prazer e dolorosamente também). As levarei comigo nas lembranças, nas fotos, nas histórias e com certeza, eu sei que muitas delas, a vida vai proporcionar reencontros em que riremos muito do que vivemos aqui ... outras entretanto, sei que não encontrarei mais.... amigas indianas, holandesas, malásias, filipinas .... sei que apenas as verei virtualmente ...assim é a vida. Deixei pessoas queridas quando saí da Korea, sei como isso funciona. 

Pensar nos nossos motoristas indianos, pensar nos funcionários do compound que são nepaleses, pensar em Von e Ronny (filipinos que sempre tomaram conta de Menino quando viajávamos) ... faz meu coração apertar. 

Queridos, obrigada pela paciência que tiveram comigo, não esqueço nunca que entrei na menopausa aqui e passei meses sendo insuportável. Obrigada pelos sorrisos e pelas lágrimas que compartilhamos. Obrigada por terem aberto comigo o leque da alma humana, do que temos de pior até o que temos de melhor... O que levo daqui são as vibrações que tocaram minha alma ... essas entraram na minha pele, como tatuagem e ficarão comigo para sempre.

... e Menino... ah Menino! 
Meu presente precioso .... Tinha que vir pra cá pra conhecer meu bebê louro e gordo.... Não sei como agradecer ao Universo por nos oferecer tanto amor (algumas dentadas também). Meu gatão é o troféu mais precioso! Ganhei no primeiro dia que aqui cheguei e levo onde for. 




domingo, 2 de outubro de 2016

UMA BOA SENSAÇÃO DE MIM MESMA


Quando comecei a praticar yoga, aos 16 anos, descobri uma sensação de pertencimento ao Universo. Isso foi mágico! A busca era sentir ser pertencente ao todo. A meta era buscar a sensação de unidade e encontro com tudo e todos. Busquei meditando anos a fio... Meditava, praticava samiami, yoga, Backti, Karma-yoga, jnani-yoga...e tudo que pudesse me conectar ainda mais fortemente com essa sensação preenchedora....

Não sei se tive sucesso, não sei se me tornei mais empática, talvez tenha me tornado mais impaciente com o que julgo sem importância... sei lá... não sei o que teria me tornado sem esse caminho que trilhei..... 

Mas, nesse anos de prática,  desenvolvi algo muito legal que foi a idéia de coletividade, a consciência das causas coletivas....aprendi a tirar o foco dos meus problemas pessoais, e ver "o todo" como muito mais importante.... as causas coletivas, ao invés das individuais. Buscando um significado maior para a existência....resolver problemas básicos do dia-a-dia parecia não fazer muito sentido, ou melhor dizendo, buscava uma vida que valesse a pena e que tivesse sentido.

Acho realmente que as lutas contra o racismo, homofobia, machismo são minhas causas e meus problemas. Penso até que poderia ter uma vida menos complicada, se não fosse tão complexa, mas pode também ser também que eu esteja me enganando esse tempo todo e tenha sempre pensado egoísticamente na minha "sensação de si mesmo", e esse tenha realmente sido minha meta todos os esses anos ... pode ser.... o que seria um autocentramento. 

Com a prática do Yoga e anos e anos de terapia, e estudo....a pergunta que sempre me acompanha é: "qual a minha sensação de mim mesma nesse momento?". Perceber como me sinto em relação a alguém, ou alguma situação ou problema, tem sido meu leme, e é isso que dá direção ao meu barco.... Essa sensação tem norteado meus movimentos, minhas escolhas, minhas decisões, meus "sims" e "nãos". Nem sempre elas me levam a favor da maré, muitas vezes sinto que remo contra ... o que há de se fazer? Se tenho uma boa sensação de mim mesma apesar do esforço ( as vezes solidão), de remar contra a maré, seguirei mesmo assim. Sigo.

Já percebi claramente como me arrependo quando me traio.... meus instintos não costumam falhar...minha voz interna...minha sensação de mim mesma não costuma falhar....

Acho que todo mundo sabe um pouco sobre o que estou falando...., mas se você ainda não escutou essa voz; se você ainda não se conectou com essa sensação ... pare um pouco e se escute.... é hora de ouvir o que vem de dentro. É hora de não mais se trair.

quinta-feira, 7 de julho de 2016

OS ÚLTIMOS MOMENTOS DE VLAD (texto de Wilson Langeani Filho*)


– Vamo nessa!

Era a deixa usual do anfitrião. Para os frequentadores da residência, apesar de certa rispidez no enunciado, o bota-fora não melindrava ninguém. Pelo contrário. O impagável bom humor e a hospitalidade do dono da casa nos fins de noite memoráveis, nos irreverentes colóquios vespertinos, em papos profundos e destrambelhados, nas divertidas pajelanças, as oportunidades dos flertes regados a um suprimento infindável de drinks e trilhas sonoras poderosas, as tertúlias literárias ... o leque de atividades edificantes compensava, com folga, o desapontamento da súbita e eventual interrupção.


Assim era o jeito cativante, e sutil, de Vladimir. Quando chegava o momento do repouso do guerreiro, que de tudo e todos independia, ele tascava um ponto final na estória. Aos presentes, não raro uma festiva multidão de dez ou mais – considerando a singela metragem dos 40 m2 do apartamento –, restava o caminho da roça, já na expectativa da próxima esbórnia.

Naquela terça-feira, 17 de maio, uma simples dupla dividia o espaço.
Aqui cabe um adendo. Há quase vinte anos, com o objetivo de manter uma atividade física minimamente regular, nadávamos no Clube dos Médicos durante os finais de semana. Por envolver o período matinal, o encorajamento mútuo era estrategicamente importante para conservar a saudável tradição. Dedicados, mas sem extravagâncias, não eram incomuns os perdidos, de lado a lado. “Hoje não, estou cansado”; “tá meio frio”; “sem condições: ressaca braba!”; “sentindo uma dorzinha aqui”; “preguiça ... mas amanhã vamos sem falta”.
Assim foi no sábado anterior. Mas eis que um distraído telefonema vespertino resgatou os planos para o domingão. Senti firmeza no combinado. Pouco depois, porém, Vladimir liga de volta. “Estou cheio de provas para corrigir, não consegui fazer o que tinha programado para hoje, amanhã vai ser difícil, vamos deixar pra lá”. Estranhei um pouco, mas não era nenhuma novidade.

No vai-não-vai dos acertos do final de semana, ele estava bem. Voz boa, animado, contou as novidades do aniversário da nossa querida Nis, comemorado no começo da semana anterior em um barzinho, onde, como sempre, causou. 
festa da Niss

Na segunda-feira, à noitinha, telefona. Durante uma consulta pela manhã o doutor requisitou seu retorno acompanhado de um familiar próximo. Mau sinal. A mãe viria de Salvador. Sua voz estava um pouco engrolada. Aliás, nada soava muito bem. Respirava com certa dificuldade. Fazia uns dias que as náuseas não o deixavam alimentar-se direito. E concluiu: “Meu carro está na oficina, não tenho como sair e estou ficando sem água e papel higiênico”. Na hora me prontifiquei: compras, médico? Ele declinou. “Aguenta até amanhã, sem problemas”.

Pouco depois do almoço, abastecido, chego ao edifício. Logo ao entrar no apartamento fiquei apreensivo. Vacilante, ele se desdobrava entre manter o equilíbrio e varrer do chão da cozinha os cacos de vidro da garrafa de água que acabara de derrubar. Detalhe: descalço. Também, o Conde Vlad tinha múltiplos talentos, mas o manejo da vassoura, definitivamente não estava entre eles.

Assumi a operação e perguntei se havia se alimentado. Ao desabar na poltrona, abatido, respiração curta e difícil, pediu água. “Não consigo comer, volta tudo”. E soltou: “Tô mal, mermão”. Quis levá-lo para o hospital. “Não precisa. Tenho médico na quinta, meu sobrinho chega amanhã e vai comigo.” Permaneci um pouco para fazer companhia, mas não durou. “Wilson, vamo nessa”.

Respeitei sua vontade mas saí preocupado. Em pouco mais de uma hora, me liga. “Não estou conseguindo respirar”. Puta que pariu. “Vou chamar o resgate e tô indo praí”. A distância entre nossas casas é pequena, mas foi um longo trajeto. O porteiro, conhecido, me deixou subir direto. Toquei a campainha, bati, e nada. “Vladimir!”. A resposta veio num sussurro. “Já vou”. Consigo ouvir através da porta ele pelejando, quando meu celular começa a tocar. Ignorei porque finalmente conseguiu abrir e pude entrar. Com o telefone na mão, era ele quem me ligava.

Desta vez fiquei assustado. Seu olhar estava vazio. O esforço drenou sua energia. Foi preciso ampará-lo. Vladimir era grande, pesado, mas conseguimos que se ajeitasse no sofá, bem menor que ele. Apesar do desconforto, o que importava era respirar. Ao se recuperar, quis ir para a cama. Uma meia dúzia de passos novamente esgotou suas forças. O resgate não demorou e o hospital onde ele se tratava aceitou a internação. Tranquei a casa, deixei as chaves na portaria e fui atrás.


Na emergência, ele assistido, pediram que permanecesse: um rosto familiar é um conforto psicológico. Mas passei a sobrar no entra-e-sai de médicos e enfermeiros: a pressão arterial persistia baixa. Fui defenestrado. Logo voltaram a me chamar. “Quer entrar mais um pouco?”

Lembro bem de uma sóbria conversa, como de hábito, que tivemos há um tempo aqui em casa. O tema era a finitude da vida, de onde viemos, coisas assim. Num rompante, já diagnosticado, ele largou: “Sempre fiz tudo o que tive vontade. A gente tem que encarar o que vier. Não tenho medo da morte, não”.

Lá dentro, e na verdade desde que o vi àquele dia, achei-o tranquilo. Me pareceu mesmo que desde à véspera. Quando o médico plantonista debruçou no seu leito, foi pragmático. “Precisamos tomar uma decisão. Como está consciente, isso cabe a você. O seu prognóstico é muito ruim”. Vlad não se alterou. “Você precisa ser entubado. Ficaria mais estável e seria mais sereno, embora sedado. Entretanto, minha recomendação é esperar o máximo possível, enquanto você está consciente”. Não houve hesitação. “Não quero ser entubado”.

Fiz um sinal ao doutor. Com função a hepática comprometida, sua sobrevida era uma incógnita. Nada havia a fazer além de garantir-lhe conforto. Precisava avisar sua família. O médico concordou.

Tinha o número da casa dos pais, em Salvador. Pai falecido, e se a mãe atendesse? Nenhuma mãe merece ouvir isso por telefone, ainda mais de um estranho. Vladimir tinha três irmãs. Tentamos, sem sucesso – ele já um pouco aéreo –, que se recordasse de algum dos números. Lembrei do seu celular que tinha ficado sobre a mesa, em sua casa. E lá fui eu. A caminho, ia imaginando como se participa uma notícia dessas. Para qual iria ligar, se afinal, além dos nomes, nada mais sabia delas, quem teria melhores condições de assimilar uma bomba daquelas?

Ao chegar, uma surpresa: o telefone de um primo me aguardava na portaria. Marco atendeu logo. A prima era sua esposa, Grace. Conversamos sem meias palavras. Sem entender como, soube que a mãe, irmãs e sobrinhos, estavam sabendo de tudo e viriam no dia seguinte. E, para melhorar, os dois já estavam quase no hospital. Quando cheguei, eles falavam com o médico.

Ocorreu que enquanto Vladimir e a mãe acertavam a viagem, por acaso o sobrinho escutou o telefonema. Indagou da avó o motivo, se dispôs a substituí-la e comentou com a mãe. Residente no exterior mas por uma feliz coincidência no Brasil, Ludmila resolveu procurar diretamente o médico do irmão. E ele foi taxativo: Vladimir não tinha mais condições de ficar só. Foi um choque. Embora ciente, a família desconhecia detalhes: Vladimir se mantinha reservado e evasivo quanto à sua condição. Imediatamente começaram a se movimentar e ligaram para pedir à prima, em São Paulo, que fosse à casa dele. “Ele saiu de ambulância com um amigo”, informou o porteiro.

Conhecia Vlad desde a infância. Em Salvador, frequentávamos o mesmo clube. A amizade vingou em São Paulo, já adultos, depois de alguns esbarrões no bar do Ciccio. “Te conheço de algum lugar ...”. Estive com o cara quase a vida toda. Era praticamente um irmão. Permaneci ao seu lado durante todo o tempo àquele dia. Mas quando Grace entrou e passou a confortar o primo, quando ouviu que a mãe, irmãs, sobrinhos, estavam a caminho, pensando nele e torcendo, foi ali que o vi ficar em paz.

Vlad seguiu para a UTI. O reencontramos inconsciente e entubado, mas seu semblante, tranquilo. A médica intensivista, com muito tato, disse que o quadro era bastante grave. “A família chega amanhã”, informamos. “Talvez ele não passe dessa noite”. Não havia mais nada para ser dito. Deixamos os telefones e o pedido para ser avisados, independentemente da hora. Mais alguns instantes junto ao leito e foi tudo. Era por volta de dez horas da noite.

O telefone tocou quatro e meia da manhã. 

*texto escrito por Wilson Langeani Filho, amigo de Vlad, que esteve ao lado dele em muitos momentos de alegria e nesse último. Nós da família, somos extremamente gratos por ele ter estado lá .... 

Segue uma pequena homenagem aos amigos que estiveram ao seu lado desse baiano em São Paulo ....









sábado, 18 de junho de 2016

FÊNIX - SEM MEDO DA MORTE



Aos 52 anos achei que estava na hora de fazer minha tão sonhada tatuagem da Fênix. Fiz.

Nessa fase da vida, o fogo que me queima até a "morte" não me assusta mais. A certeza de que renascerei, é total. A forma, a aparência já não importam tanto.... posso renascer em várias formas....tanto faz....

Nessa fase da vida, tenho a certeza de que o que eu antes achava que me mataria, e que agora quando muito, apenas me machuca ou fere, mas não me mata....

Nessa fase da vida, um poder enorme emerge impulsionado pela certeza de que preciso de muito pouco, e de poucos....

Não por acaso que a Fênix surgiu sob as folhas do outono. Elas são a marca da maturidade....o desapego que deixa ir, o que não é para ficar... deixa morrer o que não faz mais sentido de estar ali. As folhas que caem e morrem, são o alimento para as novas folhas que nascerão.... o fogo que queima e transforma a fênix em cinzas, é o que possibilita que ela surja cada vez mais livre e conectada com o seu poder. Poder que vem da certeza de que essas "mortes" são libertadoras e apesar de dolorosas, são bem vindas. 

Não há vida sem morte.
Não há renovação sem desapego.
Não há eternidade sem finitude.
Não há liberdade, se há medo da morte. 

quinta-feira, 9 de junho de 2016

O VLAD QUE CONHECI - Vai em Paz, Miserável! (ÚLTIMA PARTE)



Esse último post é uma tentativa de agradecer todo o carinho e respeito aos alunos, ex-alunos, colegas e amigos que compartilharam com meu irmão o que ele tinha de melhor, sua inteligência, sua irreverência e paixão. Não existem palavras suficientes para agradecermos por vocês terem compartilhado conosco as histórias que vocês viveram com ele. 

Seguem algumas imagens que encontramos no facebook dele, e segue o nosso amor e gratidão.
Sinto muito pela perda de vocês, e de todos os que não o terão como professor e amigo daqui pra frente.
Meus sentimentos.

































Eu acho que você viveu muito pouco, meu irmão, mas você fez a diferença na vida de muitas pessoas, e por isso viverá eternamente na lembrança de muitas delas. Tenho certeza de que você viveu mais intensamente que a maioria das pessoas que conheço, e fez valer a vida que teve.

Vai em paz, meu irmão.
Vai em paz, Miserável.

P.S. Se vc tem foto ou histórias para compartilhar, comente esse post e conte pra gente! Isso nos alegrará imensamente. 

terça-feira, 7 de junho de 2016

O VLAD QUE CONHECI - ENTRE LIVROS (parte 6)


Impossível falar do meu irmão Vladimir, sem fazer relação com meu pai. Eles se pareciam muito, e foram minhas primeiras referências no mundo masculino. Eles eram brilhantes, marcantes e tinham uma forte presença, nunca passavam despercebidos. Fiz essas comparações nos posts anteriores, e farei mais uma vez nesse, que é o sexto post dessa série. 

Quando nosso pai morreu, (contei no post anterior), levamos muito pouco tempo para arrumar e nos desfazer de suas coisas pessoais. Descobrimos o que já sabíamos, meu pai era desapegado, não acumulava coisas... Arrumar o armário dele foi uma emoção grande... ele tinha algumas poucas bermudas, pouquíssimas calças compridas, e bem antigas, pois desde que ele se aposentara, ele se recusava a vesti-las, sapatos fechados, um ou dois, tênis e alpercatas. Ele tinha muitas camisetas, nada caro ou de marca, muito pelo contrário, a maioria eram com fotos dos netos, dos cachorros, ou de viagens lembranças de viagens (a maioria havia ganho de presente), camisetas com coisas engraçadas escritas (vesti-las era sua forma de provocar as pessoas), e camisas dos times de futebol, não me lembro se tinha alguma oficial, eram na sua imensa maioria coisa barata. Bonés,  que também que havia ganho de presente de viagens.

 O fato é, não levamos muitas horas para doar tudo que ele tinha para os funcionários do prédio que ele morava e para escolhermos uma camiseta que tivesse valor afetivo. Eu mesma peguei uma que ele havia comprado quando nos visitou em Houston, que estava escrito: "Mi casa es tu casa, pero mi cerveja non."

Um dia após a cerimônia de cremação de Vladimir, eu e minha irmã Tatiana, fomos desmontar o apartamento dele. Tínhamos pressa, não moramos em SP, tínhamos que adiantar tudo e voltar pra casa. Não sabíamos o que seria, como faríamos, o que encontraríamos.

Encontramos livros, livros e mais livros. Vladimir desde sempre amava ler. Ela sempre gastou seu dinheiro com livros. Desde que ele recebeu seu primeiro salário como estagiário, que ele gastava comprando livros. Vlad tinha um sofá e uma poltrona, que deviam ter uns 20 anos, muitas roupas que doamos para instituição de caridade, um computador que não era nada demais, um aparelho de som bem simples, LPs e CDS, um carro velho de 2002, e livros, muitos livros.

Impressionante que ele não tenha trocado de carro, que ele não tenha comprado coisas que lhe oferecesse mais conforto material. Ele comprava livros, o tesouro dele eram os livros.


Em uma estante, encontramos carinhosamente expostos, os seus troféus: Placas e mais placas de homenagem de várias turmas que ele paraninfou, objetos que percebemos ser presentes dos alunos, ao lado dos seus muitos livros, e isso foi um conforto enorme para mim e minha irmã. Vlad não era só, ele tinha uma família enorme, ele tinha os alunos, os ex-alunos,  os amigos  e os livros.

O carinho com que ele guardava as homenagens dos alunos, devia ser uma prova de reciprocidade do que ele havia recebido por todos esses anos, muito carinho também. Vlad foi amado e admirado. Ele com certeza tinha restrições com relação a intimidade, mas ele era querido por ser uma pessoa brilhante, bem humorada, irreverente, inteligente, sarcástico e por amar o que fazia.

Ele amava ser professor e isso ele aprendeu com nossa mãe, que foi professora a vida inteira e amava o seu trabalho mais que qualquer coisa na vida. Algumas vezes tentei sugerir que ele parasse de trabalhar e fosse para Salvador se tratar melhor, e ele rejeitou qualquer continuação de conversa sobre esse tema. Ele trabalhou doente, trabalhou enquanto pôde, trabalhou até morrer. Encontramos dois pacotes de provas dos alunos sobre a mesa. Ele trabalhara até o fim, literalmente.

Limpamos o apartamento, doamos os livros de economia, as homenagens dos alunos para a FACCAMP, onde ele lecionou nos últimos e muitos anos.

O vizinho ao lado do seu apartamento, abriu a porta para nos atender, e sua cadela, Abigail e seu gato, Sancho Pança, entraram correndo no apartamento de Vlad para ver o que estava acontecendo, e procurar o amigo. Vagaram desolados com o esvaziamento daquele lugar que parece que eles conheciam bem. A síndica do prédio, ainda chocada, pois nem sabia que ele estava doente, fazia elogios ao fato de que ele não dava problemas, o que acho que era efeito da santificação que a morte produz, pois acho que ele deve ter dado muito trabalho aos vizinhos.

Os porteiros e o pessoal da limpeza chocados e desolados, esforçavam-se para nos ajudar. A sua faxineira falava sobre o homem bom que ele era. 

O fato é que a morte é para todos, mas a vida é para os que escolhem viver. Vlad escolheu viver a vida dele do jeito dele, e viveu. Foi bem sucedido no que investiu energia, poderia ter vivido muito mais, e ensinado a muito mais alunos, lido muito mais livros e nos presenteado com seus posts no facebook por muito mais tempo. Ninguém merece morrer aos 53 anos, mas ninguém pode negar que ele viveu intensamente a vida que escolheu, e que viveu sem dar satisfação a ninguém das suas escolhas (isso parece uma sonho). 

Meu filho mais velho ficou com LPs e alguns livros, meu sobrinho ficou com um casaco do Botafogo, trouxe alguns livros para meu filho caçula que mora aqui nos EUA, além de blusas do Bota. Minha mente fotografou cada canto daquele lugar que foi sua caverna, e levarei comigo uma parte da história dele, que foi algo que ainda não sei definir bem, mas que me compõe como pessoa, pois faz parte da minha vida e da minha história.

O próximo post será provavelmente o último, e farei um álbum com as fotografias que ele tinha de amigos a alunos para deixar registrado meu respeito e agradecimento aos amigos e alunos,  que foram a família que ele escolheu. 








domingo, 5 de junho de 2016

O VLAD QUE CONHECI - O FILHO DO PAI (parte 5)



A relação de Vlad com meu pai era muito especial, mas devo dizer que meu pai amava demais os filhos, era um paizão apaixonado e completamente seduzido por todos nós. Escrevi sobre ele nos posts  A Luta Continua Companheiro  , que foi a minha despedida depois da sua morte; e  Entre Netos e Cachorros , um post em homenagem ao Dia dos Pais. A forma de ser irreverente e inconformada do nosso pai, explica muito do Vladimir que todos conheciam, vale a pena ler os dois posts citados. 

Vlad nasceu no Rio de Janeiro em 62. Um primeiro filho amado, desejado, lindo e leonino. Ele era o centro de tudo. Meu pai tinha uma mania de colocar apelidos nos filhos, e Vlad inaugurou isso, ele era o "Homão", sim, o aumentativo de homem. Pra vocês terem noção de quanto esses apelidos eram fortes, meu filho caçula quando tinha uns 5 anos, teve que fazer um trabalho na escola sobre a família, foi quando descobrimos que ele não sabia o nome verdadeiro do tio, pois ele escreveu com ajuda da professora, na lacuna do nome do tio, "Almão". Eu perguntei pra ele como era o nome do tio, ele respondeu: "Almão", e ficou espantado com a novidade dele se chamar Vladimir.

Vlad era um orgulho imenso de Jair de Brito. Ele amava saber que Vlad estudara Economia, e que discutia política. Embora tivessem opinões contrárias em quase tudo nesses aspectos, eles tinham muitas coisas em comum, e a maior de todas: o gosto pela polêmica. Eram polêmicos por natureza. Amavam uma discussão acalorada sobre temas políticos. Amavam discursar e serem escutados. Adoravam provocar discussões. Eram muito parecidos nisso. Esse era um universo masculino na nossa família, não lembro da nossa mãe, ou das minhas irmãs, gostando disso. Eu não suportava, a polêmica me cansava, mas eles se divertiam.

Quando Vlad sofreu o acidente que quase o matou, (contei sobre isso na parte 3 dessa sequência de posts), vi o quanto um pai pode sofrer por um filho. Meu pai urrava de dor. Chorava alto pelos corredores do hospital. Nunca imaginei ver meu pai naquele estado um dia, ele não suportou ver o filho na UTI, meu pai não aguentou a dor de saber que o filho poderia não ser mais o mesmo depois que saísse do coma, e não suportou a possibilidade de perder o filho. Nossa mãe sofria quieta, calada, contida ...., nosso pai se desmanchava em dor. 

Vladimir tinha um defeito imperdoável, uma mancha que meu pai preferia não ver, ou que ele não entendia onde havia errado: Vlad torcia para o Bahia, o arquirrival do Vitória, time do meu pai. Esse tema era delicado, um sacaneava o outro na medida que os times subiam ou desciam no campeonato baiano, mas essa rivalidade era compensada pelo amor em comum pelo Botafogo. Ambos torciam e sofriam juntos pelo Fogão. Essa era uma compensação que meu pai aceitava e que oferecia algum tipo de conforto pela traição no Campeonato Baiano.

Os dois amavam um bom papo, mas acima de tudo, uma boa polêmica. Gostavam de cerveja e futebol. Gostavam de uma mesa de bar, eram populares, daquele tipo que todos conheciam. Adoravam discutir política e economia. Os dois eram excelentes leitores, liam jornais e livros, além de revistas semanais. Eram parceiros a distância em muitos temas. Discutiam sobre tudo até algum cansar e se retirar. Os dois eram bons nisso também, saiam das situações ou davam limites aos que tentavam invadi-los, com maestria. Os dois gostavam da solidão. Eram livres das obrigações sociais, e as atendiam apenas quando "tinham saco" para isso.

Pressenti a morte do meu pai, sabia que esse dia estava chegando, embora ele não estivesse doente. Morava nos EUA nessa época, fui ao Brasil um mês antes do meu pai morrer, fiquei uma semana com eles, sabia que era uma despedida, quando me despedi do meu pai com um beijo na testa, ele estava deitado na rede, eu sabia do fundo do meu coração que aquele seria meu último beijo nele em vida. Escrevi pra Vlad alertando-o sobre minha intuição, já que nós éramos os filhos que moravam fora. Eu disse pra ele que ele desse mais atenção ao velho, pois eu sentia que nós o teríamos por pouco tempo. Vlad não alimentou essa conversa, achou que era "viagem" minha. Um mês depois, sou acordada por um telefonema de uma irmã, que avisava da morte dele.

Viajei para o Brasil naquela noite, cheguei a tempo do fim do funeral, e para me despedir do nosso pai....Vlad que tinha ido de SP, me abraçou e disse: "bem que você me avisou, minha irmã...". Ele estava destruído, todos nós estávamos. Perder nosso pai, foi uma dor imensa. 


Pouco tempo depois da morte do nosso pai, Vladimir recebe o diagnóstico de câncer no fígado. Conversamos sobre a doença, dentro do limite que ele me oferecia, mas como meu marido havia lutado contra o câncer alguns anos antes e se tratado em São Paulo, ele algumas poucas vezes me deu liberdade (pouca) para conversarmos sobre a nossa experiência nisso.

Na época eu pensei o quanto o universo era perfeito por ter tirado meu pai da terra a tempo dele não saber que o filho estava doente, e que sofreria muito com o tratamento que se seguiria. 

Quatro anos após, no funeral de Vlad, vendo minha mãe tão pequena e fragilizada, agradeci mais ainda ao universo que meu pai não estivesse ali, e sim do outro lado....esperando Vlad para mais uma discussão, agora sobre a queda de Dilma e do PT.