sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Despedida do Coração do Ventre!



Meu útero tá indo embora...vou operar hoje e o retirarei de mim...


Fiquei pensando que isso poderia vir com um grande pesar..mas não tá sendo assim...


Conheço o significado simbólico do útero de uma mulher....ele é o "coração do ventre"! Assim sempre o senti. O meu útero sempre foi uma espécie de coração...um coração que estava nas minhas entranhas...no meu âmago. Sentia uma espécie de poder emanando dele.


Conheço as energias que são mobilizadas no meu ventre..conheço os chakras e o corpo de luz que tenho..
Por isso...por saber tanto de outros aspectos do meu útero, até pensei que ía ficar triste ou com uma sensação de perda..sei lá...mas não estou.
Consigo me despedir com muita gratidão dele. Sem apegos.

Ele abrigou meus dois grandes amores. Meu útero foi tão generoso comigo que além de acolher tão bem Caio e Lucas, de forma tão protetora e sem intercorrencias...ele se abriu completamente para que eles saissem sem me causar sofrimento. Meus partos foram partos de um útero generoso e poderoso. Ele se dilatava completamente sem que eu me esforçasse...sem que eu precisasse passar por qualquer tipo de dor...abria caminho pra que meus filhos simplesmente viessem à vida.
A sensação de estar grávida..indescritível...me sentia como o centro do Universo..Meu útero era o centro do universo! Era lindo, mágico, poderoso...sentia como uma Deusa que gera a vida!
Lembro muito bem da imensa sensação de poder que tive quando senti meu útero contraindo para me ajudar a parir. Eu fiquei fascinada com aquela força animal que meu útero tinha, e que acontecia independente da minha vontade..eu só tinha que obedecê-la...seguir esse poder...assumir como meu! Era meu poder. Tive certeza disso. E quando meu primeiro filho nasceu desse útero poderoso..me senti muito poderosa...gostei muito de mim, pois percebi que eu não tive medo da minha natureza selvagem...não tive medo desse poder e que me entreguei a ele!


Disse pra mim mesma depois do parto: "Se posso isso, posso qualquer coisa!"

Sou grata ao meu útero por isso. Uma grande parte do meu poder, é um poder uterino, é visceral!!!

E mais ainda...

Adorava minhas mentruações...adorava menstruar...eu sempre tive um pré-mentrual tão doloroso, que a menstruação parecia um prêmio...era como se meu útero liberasse numa explosão, todas as tensões de um mês inteiro...era um alívio. Foi assim desde a 1ª vez que menstruei. Menstruar significava liberação...alívio..relaxamento...Me sentia profundamente conectada com a Deusa Ártemis que me revelava todo o poder animal/instintivo que existia em mim. Era um contato com uma fera poderosa que habitava meu corpo.


Não sinto abrindo mão de meu poder, nem o perdendo porque meu útero vai embora...sinto que sou grata e feliz por ter vivido toda essa conexão.

Como posso nesse momento me apegar a ele. Sinto gratidão..sinto muita gratidão.


Vou operar..ele será retirado de mim, mas as histórias e a energia que esse coração das entranhas mobilizou e ainda mobiliza na minha vida continuarão...
Me interno hoje e volto domingo...sem ele..mas muito grata por ele ter existido na minha vida quando eu precisei.



Namastê





Ludmila Rohr

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Notícias e um tempo para a alma...


Foi assim...

Fomos a São Paulo. Estivemos com a médica que tratou Judson do 1º câncer e com o médico que o operou da metástase, Dra. Angelita Habr-Gama e Dr. Joaquim Gama. Eles são muito bons. Nos oferecem um tratamento absolutamente digno. Nos sentimos respeitados e atendidos com eficiencia. É muito fácil confiar no que eles dizem, eles passam tranquilidade e segurança no que estão fazendo. São além de médicos, pesquisadores, cientistas. Em nenhum momento nesse 1,5 ano senti nenhum tipo de insegurança com eles, ou a respeito deles e do que eles nos propunham em termos de tratamento.

Enretanto, essas consultas envolvem muita tensão, muita expectativa. Estávamos ansiosos por esse dia, mas ao mesmo tempo sem querer vivê-lo, porque o que queremos é apenas uma coisa. Não existe algo mais ou menos, ou próximo do que desejamos que nos satisfaça. Não há alternativa que nos dê satisfação, a não ser uma: Saber que tudo deu certo.

Deu certo.

Judson é considerado a partir de hoje por eles como um paciente em controle.
Ele fará, durante um ano, revisões de 3 em 3 mêses, que passarão em seguida para de 6 em 6 mêses...e ...enfim..continuarão tendo seus espaços dilatados até completarem 5 anos, quando o paciente de câncer é considerado em remissão.

Não se fala em cura, mas em remissão.

Tenho me perguntado quais os sentimentos? O que tenho sentido nesse momento?

Não sei.

Às vezes um alívio..porém, às vezes me pego tensa como se ainda tivesse que viver uma próxima quimio na semana seguinte...às vezes nem lembro que tivemos um notícia boa assim...de verdade ainda não consegui ficar alegre. Queria tanto...mas acho que minha alma tá assustada ainda...assim meio desconfiada...sabe como alguém que esteve na prisão e que não confia muito na liberdade? Parece que uma parte da minha alma, da minha energia...da minha vida..esteve aprisonada..e agora tem que se acostumar com o brilho do sol..com o vento no rosto...com a vida!

Já me peguei desejando mais uma quimio...só mais uma, por favor! Como se ela fosse me salvar de algo...já refiz as contas das quimios...fico achando que a clínica contou errado e ainda falta uma...! ai..e se eles estiverem errados? e se ainda faltar uma?

Bom...acredito na cura da alma, sou terapeuta..cuido de almas feridas. Mas acredito que o tempo da alma é um tempo próprio...e que talvez a alma demore mais a se curar que o corpo.

Minha alma vai se curar, mas preciso de um tempo....

Sou grata a vibração e companhia, que recebemos, durante todo esse tempo, de todos!

Namastê!

Ludmila Rohr


domingo, 13 de setembro de 2009

A última!


Estamos vivendo um momento de uma enorme contradição. A alma dividida entre a alegria e alívio e o medo...uma desconfiança.
Judson fez o último ciclo de quimioterapia. A sensação que tenho é que esse ciclo foi o pior de todos. Muita prostração, enjôos, fraqueza, muitas dores...inapetencia..simplesmente horrível..
É tão ruim que não conseguimos ainda nos dar conta de que é o ultimo ciclo!!
ou talvez seja tão ruim exatamente por que é o último ciclo!

Bom..Já vivemos esse momento no ano passado. Fizemos a última quimio e celebramos muito. Jantamos, brindamos, viajamos..., mas o câncer apareceu outra vez e nos assustou muito. Talvêz estejamos com medo de celebrar...

Essa é uma doença que não machuca só o corpo, e não machuca só aquele que ela acomete...ela machuca a alma, e a todos que estão por perto. O câncer modifica a nossa relação inteira com a vida. As nossas prioridades se transformam..os apegos precisam ser trabalhados...muitas coisas ficam pra trás..outras ganham importancia...

Não farei ainda uma avaliação do que o câncer me tirou, nem do que ele me trouxe...ainda é cedo pra isso..., mas quero hoje apenas sentir que vencemos uma etapa importante. Quero abrir meu coração e agradecer à vida por estarmos aqui, juntos nessa luta que não escolhemos lutar, mas que estamos conseguindo lutar...batalhas duras, dolorosas...muito dolorosas..

Quero poder sentir alegria, mas não é uma alegria muito simples de ser sentida, pois Judson está muito mal, enquanto eu escrevo sobre esse momento...ele está há 5 dias sem praticamente comer nada, com muitas dores que o impossibilitam de sair da cama, com perda de sensibilidade nas pernas e mãos, enjôos, prostração...mas, ele conseguiu!

Não sei se sinto alegria ainda, mas sinto um orgulho enorme! Ele é o meu marido..o meu amor..o pai dos meus filhos..e é um guerreiro...que nunca se queixou de nada esse tempo todo...NUNCA e NADA! Nunca se queixou de nada!!! é verdade! Ele foi sempre corajoso, quieto nas suas dores e nos seus medos..mas sempre corajoso e focado. Estamos nessa luta há 17 mêses...e ele é um vencedor.

Ainda não consigo ficar alegre..mas consigo sentir um orgulho muito grande. Uma sensação de missão cumprida...de que a maratona está no fim...ainda não dá pra celebrar, por que estamos exaustos, mas dá pra sentir que conseguimos...e isso é tudo nesse momento.

Namastê

Ludmila Rohr

domingo, 6 de setembro de 2009

Não gosto de praia...adoro o mar!


Nasci em Salvador...em frente a praia. Praia sempre foi o programa de todo mundo que nasce e cresce em Salvador. Demorei algum tempo pra descobrir que detesto praia. Detesto tudo que envolve esse ritual de ir à praia, biquine, protetor (antes era bronzeador), sacola, sombreiro, cerveja..carangueijo...acarajé...calor, areia....afe...simplesmente detesto...


Quando Caio e Lucas eram pequenos, eu os levava à praia..toda mãe faz isso. Eles brincavam de castelo de areia, nas ondinhas...tomavam picolé, queijo assado...se perdiam, se achavam...e cresceram...Hoje eles detestam praia. Os meus dois filhos, que cresceram indo a praias aos domingos, também detestam praia.


Quando eu descobri que não precisava ir a praia...que eu podia assumir a minha brancura...foi como uma alforria. Ainda tenho que lidar com os espantos das pessoas quando digo que detesto e que não vou a praia, mas tudo bem. Sou baiana de Salvador e detesto praia e carnaval, aviso logo! Vou a praia todos os anos no dia 1º de janeiro, é um ritual íntimo...e não vou mais nenhum dia durante o ano todo; e no carnaval não vou nunca, nem nunca levei meus filhos.


Bom..mas por que estou falando sobre isso?

Porque eu adoro o mar. Eu amo ver o mar...estar aqui em Lisboa...ver o mar, me deixou extremamaente emocionada. Gosto de tudo que vem do mar. As poesias e as canções. Gosto dos peixes, mariscos....adoro as comidas que produzimos do mar. Como moro em frente à praia...vejo o mar todos os dias....tenho uma certa reverencia pelo mar... respeito mesmo. Não acho que sou íntima e posso ir entrando...tenho uma espécie de adoração respeitosa...que contempla mas não se aproxima muito... quase uma reverência romântica...que endeusa...que glorifica...


Quando eu era pequena sonhava com o mar quase todas as noites. Ondas me pegavam...eu tentava resistir...depois me rendia...Sonhava com mergulhos intermináveis pelo oceano...eu podia respirar dentro d'água (nesses sonhos)...sonhava com algo que parecia morte por afogamento, mas não eram mortes..não havia desespero, nem eu me debatia...apenas mergulhava e me deixava levar....o mar me levava...e eu ía....


Hoje é meu último dia em Lisboa..estou voltando pra casa...penso que em outra vida, talvez tenha sido um navegador..alguém do mar..ou um pescador...quisera ter sido um poeta...que escrevesse sobre o mar...que usasse o mar como metáfora da própria alma, da própria vida...


Tenho marés...tenho ondas e calmarias...sou profunda e sou rasa....dou frutos...quando mais entro em mim, mais silencio encontro...do lado de fora...ruidos...coisas se mexem...mas dentro...só silencio...profundidade e quietude....


Namastê


Ludmila Rohr



terça-feira, 1 de setembro de 2009

Meu trem sairá às 05:53h


Hoje é meu 7º dia na Alemanha. Amanhã vou embora...ficaria muito mais...simplesmente amei esse lugar. Amei a sensação de ordem, a sensação de que as coisas funcionam por que cada um faz sua parte. Uma autonomia adulta no comportamento das pessoas que não são nem de longe subservientes, muito menos infantilizadas por um governo assistencialista como o que o nosso governo produz. Uma cidade adulta, culta, rica e educada.


As pessoas sabem o que devem fazer, e fazem. Elas esperam, na rua, o sinal de pedreste abrir, mesmo que não venha carro algum. Os ciclistas também. Os carros param quando em faixa de pedestre mesmo sem sinal. As calçadas tem espaço para idosos, deficientes...(aliás, eles estão todos na rua, andando e fazendo programa comum a todos), crianças, carrinhos de bebê, andador de idosos....bom, esse é um país onde os direitos são respeitados, mas os deveres são cumpridos. O cidadão tem consciencia dos seus direitos, mas sabe dos seus deveres e os cumpre. O lixo é jogado na lixeira, existem lixeiras. A água pode ser bebida da torneira, é limpa. As pessoas fazem bem, o que deve ser feito.


Nossa...tô apaixonada. Não tenho ilusões de perefeição a respeito de nada. Não acho que a perfeição exclua a falhas. Perfeição é um estado de inteireza...a Alemanha, com certeza tem seu lado social obscuro...mas eu não vi. Fiquei com muita raiva de meu país em vários momentos...raiva e vergonha. Hoje me vi indo ao banheiro de um Jardim Zoológico...banheiro público...limpo...cheiroso!! Onde acharia isso no Brasil?


Conversei com muitos imigrantes...aqui tem muitos turcos, paquistaneses e indianos....eles não voltariam para seus países...eles trabalham pra caramba...mas acham que a vida aqui é civilizada. Acham uma pena isso, mas entendem que dificilmente algum país chegará a esse nível de organização, civilidade e respeito humano que a Alemanha chegou.


Amanhã pegarei um trem para Frankfurt que sairá da estação às 05:53h. Não sairá 05:54, nem 05:55h...ele sairá 05:53h!!! está no painel e assim será. Fácil viver assim né? Se eu perder esse trem, não posso me queixar de nada, nem de ninguém...seria minha total responsabilidade...esse é o preço da vida adulta...assumir sua parte pra que o "todo" funcione.
Ludmila Rohr
P.S. foto na escada da estação de trem.