Me pediram uma reflexão sobre o PERDÃO.
Antes de refletir (já que faço isso enquanto escrevo e nunca reviso o que escrevi) quero alertar que não me proponho fazer uma reflexão sob nenhum ponto de vista religioso ou moral. É comum que esse tema seja tratado sob um olhar religioso, e acho que seria até mais fácil fazer isso. O perdão ganharia uma aura divina e cristã, mas confesso que nunca estudei esse tema sob esse olhar. Tentarei refletir sobre perdão, como psicóloga e na minha experiência como pessoa comum.
Minha primeira reação foi pensar que não conseguiria escrever sobre um tema que na verdade, pouco tenho refletido na minha vida. Daí, comecei a pensar nisso. Resolvi buscar um gatilho de reflexão levando essa discussão para o twitter. Perguntei o que as pessoas pensavam sobre esse tema. Perguntei se elas gostariam que eu escrevesse sobre ele. Foi legal a resposta. Queriam sim.
Como em um grupo de terapia virtual, as pessoas falaram, me disseram sobre suas experiências com o PERDOAR, ou com a necessidade de fazê-lo. Fiquei tocada com a importância do perdão para elas em contaste com a minha quase inexistente reflexão sobre esse tema. É claro que fiquei meio desconcertada com minha falta de prática nesse tema. Quase comecei a moralizar meu comportamento e me culpar por isso, mas isso durou alguns segundos...foi aí que comecei a entender minha relação com o perdão. Escrevo aqui agora, sem nenhuma pretensão de fechar esse tema que só comecei a adentrar!
Tenho um problema: Me perdôo muito facilmente. Não consigo sustentar por mais de alguns segundos um sentimento de culpa. Sou por demais condescendente comigo. Sei que exagero nisso as vezes. Tenho um olhar mole sobre meus erros e falhas. Digo brincando que meu grau de obsessividade é zero, quase nada de perfeccionismo. Tenho alguma coisa meio libertária na minha alma (longe de ser uma psicopata por que tenho noção clara do que posso ou não, e uma noção importante sobre o respeito que devo ao outro). Acho que tenho um problema sério também em ser julgada. Normalmente não levo a sério pessoas que me julgam ou tentam me enquadrar. Confesso, sou permissiva demais comigo.
Mas por outro lado, não tenho costume de colocar culpa em ninguém pelas coisas que acontecem comigo. Não tenho problemas em me implicar ou me auto-responsabilizar. Por isso, tenho uma dificuldade enorme de me sentir vítima de alguma coisa, ou de alguém. Acho que faço besteiras, bobagens e me saboto algumas vezes. Na maioria das vezes, por acomodação, deixo de seguir minha intuição, e me pego sendo trapaceada por alguém, mas nem consigo achar que esse alguém tenha de fato toda responsabilidade. Se eu for honesta comigo, vou perceber que em algum nível eu intuí aquilo ou sabia da chance daquilo acontecer, e até mesmo havia sido alertada por outras pessoas.
Penso que crianças são vítimas de adultos. Em uma guerra, os desarmados são vítimas de quem tem maior poder bélico..ou seja, em uma relação desigual existe vítima e algoz. Uma vítima de tortura imobilizada pelos seus algozes é um exemplo disso. Já fui assaltada cinco vezes..fui vítima de ladrões violentos,é um fato incontestável, e em nenhum momento senti necessidade de perdoar nenhum deles. Talvez porque nunca os tenha personalizado. Eles não faziam nada contra a minha pessoa em especial, eles fariam aquilo contra qualquer um que ali estivesse.
As ações que criam vítimas são as que pedem perdão. Não tenho tido relações desiguais em termos de força desde que deixei a adolescência. Talvez por isso mesmo, não tenho conseguido me sentir vítima de muita coisa na minha vida adulta. Entendo que não preciso sustentar relações que não me servem. Se elas não servem para o meu crescimento, não servem pra nada. Não preciso delas, mas entendo que elas devem servir para outras pessoas, apenas não servem para mim.
Não preciso em nome de um "perdão" ou uma "bondade" mantê-las perto de mim. Posso, de forma adulta, escolher com quem me relaciono ou não. Não penso muito nessas pessoas depois que entendo isso. Elas não me fazem falta, porque não alimento aversões. Não as odeio, Mas nem tampouco me cobro ser boazinha com elas. Acho que definitivamente não sou boazinha mesmo. Entendo que elas não devem estar perto da minha alma, mas...não tenho necessidade de perdoá-las, porque não me acho vítima delas.
Por muitos anos fiz terapia e cuidei das feridas da minha alma, aquelas que nem conhecia, mas que funcionavam como uma pele fina...qualquer coisa ou qualquer pessoa que se aproximasse delas, causavam uma espécie de sangramento. A terapia me ajudou a reconhecer como falta e aprender a lidar com elas. Elas não serão preenchidas, mas não precisam sangrar toda vez que algo as tocarem. O auto-conhecimento nos instrumentaliza para lidar com isso e nos fortalece. Saímos assim do lugar de criança machucada, essas sim foram vítimas. Não precisamos ser mais, podemos estar no mundo adulto de igual para igual com qualquer um.
Agora, me "perdoem", prometo que continuarei a refletir sobre perdão em outros posts..., mas agora preciso me perdoar por ter comido uma caixa imensa de chocolate enquanto escrevia.
Já me perdoei. Eram deliciosos. Impossível resistir. Completamente perdoada!
Ludmila Rohr